Polícia investiga namorado por morte de mulher no Acre; família acusa homem de violência patrimonial e psicológica
03/12/2024
Thiago Augusto Borges, de 42 anos, é de Itabira (MG) e mantinha um relacionamento à distância de quase 10 meses com Joycilene Sousa de Araújo, que morreu no dia 17 de novembro após ingerir comprimidos e ficar internada por uma semana. Vítima fez empréstimos e transferências que somam mais de R$ 200 mil. Ao g1, suspeito nega as acusações e disse que está sendo vítima de calúnia e difamação. Jaqueline Sousa (irmã) e Eduarda Cavalcante (filha) acusam namorado de Joyce Sousa de violência patrimonial e abusos psicológicos que culminaram na morte da gerente acreana no dia 17 de novembro
Renato Menezes/g1
“Ela é uma vítima e foi feminicídio. Não é que ela ficou louca e fez isso com ela. Joyce não tinha nenhum histórico de dependência, de depressão. A Joyce era uma menina feliz”.
Esta fala foi dita por Jaqueline Sousa, irmã da gerente Joycilene Sousa de Araújo, de 41 anos. A acreana morreu no último dia 17 de novembro, no Instituto de Traumatologia e Ortopedia do Acre (Into-AC), em decorrência de uma parada cardíaca causada pela ingestão de comprimidos de uso controlado, uma semana antes. A família acusa o namorado dela, Thiago Augusto Borges, de indução ao suicídio, violência patrimonial e psicológica. A Polícia Civil do Acre informou ao g1 que abriu um inquérito e as diligências estão sendo realizadas pela Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam). O órgão não confirmou quais hipóteses são investigadas.
Em entrevista exclusiva ao g1, a irmã e a filha, Eduarda Cavalcante, de 19 anos, explicaram detalhes da relação conturbada de quase 10 meses entre Joyce, como era conhecida, e o suspeito, que eles consideram abusivas, bem como sobre a campanha em busca de respostas e celeridade ao caso.
O g1 também conversou com o suspeito, com exclusividade, e ele considerou as acusações como caluniosas e difamatórias. (Confira trechos mais abaixo)
Nesta reportagem, você vai conferir:
Quem é o suspeito e como a família enxergava o relacionamento à distância entre os dois;
As transferências bancárias e compra de um carro;
Os encontros presenciais e acusações de uso de drogas e importunação sexual contra a filha da vítima;
A morte de Joyce e retirada do corpo no velório para autópsia;
Os pedidos de medida protetiva;
A busca por justiça;
A versão do suspeito.
Joyce Sousa de Araújo tinha 41 anos, era gerente e morreu após uma parada cardíaca, sete dias após uma tentativa de suicídio em Rio Branco
Arquivo pessoal
Quem é o suspeito com processos na Justiça e como a família via a relação
Jaqueline é a irmã mais velha de Joyce. Ela mora em Rondônia e veio ao Acre para dar prosseguimento aos trâmites burocráticos após a morte da irmã. Ao g1, ela contou que desde o início da relação, em 26 de fevereiro deste ano, a família ficou desconfiada por ser um namoro à distância ‘rodeado de incertezas’.
“Então ela já começou a apresentar alguns sinais: estava um pouco mais estressada, impaciente, ela chegava e já ia para dentro do quarto ou chegava, estacionava o carro e ficava dentro durante cerca de três, quatro horas. E não era uma conversa comum. A Duda [filha da Joyce] observou que ela chorava, ficava estressada. Desde o início, antes dele se conhecerem [pessoalmente], ele já tinha uma relação tóxica”, complementou.
Thiago Augusto Borges é de Minas Gerais, tem 42 anos e se descreve como engenheiro civil e analista administrativo. Antes mesmo de se conhecerem pessoalmente, eles se tornaram noivos. Não há registros que oficializam o noivado.
Jaqueline estima que eles se conheceram por meio dos comentários durante uma live em uma rede social, em um momento de fragilidade, já que a gerente tinha terminado o relacionamento de seis anos em outubro do ano passado.
“Eram informações que ele foi colhendo, e foram muitas em 10 meses de relação [...] e aí depois ele foi já usou outra estratégia, dizendo ‘eu vou cuidar de você, nós vamos casar, eu vou cuidar da sua filha, nós vamos morar aqui perto do João Vitor [outro filho dela]. Eu vou te fazer feliz, grave isso. Eu nunca vou soltar a sua mão’. Essa era a frase que encantou a minha irmã porque ele dizia assim: ‘aconteça o que acontecer, mas eu nunca vou soltar a sua mão’, e ela foi se encantando e foi ficando mais apaixonada”, relembrou.
Thiago Augusto Borges tem 42 anos, é mineiro e acusado pela família da acreana Joyce Sousa
Cedida ao g1
A partir de então, a irmã conta que Joyce queria tornar pública a relação e colocar fotos e demais registros nas redes sociais. “Ela queria marcar ele, e ele dizia que não porque tinha que preservar a imagem dela. Ele foi colocando desculpas, aí teve um dia que ela colocou [um anel na descrição do Instagram dela]. Ele surtou brigando com ela nesse dia”, contou.
A filha de Joyce, Eduarda Cavalcante, alega que ele mantinha outro relacionamento com uma mulher em Natal (RN). O nome da outra mulher não foi revelado, mas Eduarda soube recentemente que ambos se desentenderam e que desencadeou uma ação penal por conta disto.
O g1 fez uma consulta no sistema do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJ-RN) e constatou que há três registros de processos no nome dele:
Inquérito policial de violência psicológica contra mulher, datado de 19 de agosto de 2022 e registrado na Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher de Natal (RN), arquivado em 2 de março de 2023;
Petição criminal de vias de fato, datado de 1º de dezembro de 2022;
Ação penal de procedimento sumaríssimo [para agilizar processo] por ameaça, datado de 20 de julho de 2023.
Nesta foto, Thiago Augusto Borges foi filmado por Joyce Sousa após ter sido flagrado supostamente usando drogas dentro da casa dela, em Rio Branco
Cedida ao g1
Transferências bancárias
Segundo a irmã de Joyce, durante o envolvimento amoroso, dez dias depois que começaram a se relacionar de forma virtual, ele fez com que ela transferisse uma quantia de R$ 3,5 mil para que ele pudesse comprar um celular novo.
“Ele foi fazendo ela se sentir culpada de que o celular dele quebrou por conta dela, dizendo que tinha caído enquanto ele falava com ela, mas nem estava quebrado. Essa foi só uma forma de ele ter dinheiro, porque ele não mandou foto do celular quebrado [...] e começou assim a controlar minha irmã, era o extremo do ciúme. Ele ficava observando o brinco que a minha irmã usava, a maquiagem, a unha, o cabelo, pedia para filmar dentro do guarda-roupa, debaixo da cama, dentro do banheiro, ir no quarto da Duda, tirar foto dela dormindo”, complementou.
As transferências bancárias então começaram a ser feitas com mais frequência e com valores mais altos. Até que ele deu a ideia de comprar um carro, mas no nome dela já que, segundo a irmã de Joyce, ele recebe um benefício do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) por burnout, e isto impossibilitaria de colocar a despesa no nome dele. O veículo, retirado em Belo Horizonte (MG), é avaliado em mais de R$ 100 mil. Já o boleto veio para Rio Branco. No total, a família estima que a violência patrimonial ultrapassou os R$ 200 mil, entre o carro e os demais empréstimos.
“E ela se estressava porque ele ia pedindo [dinheiro] e ela foi dando as economias. Ele perguntava qual cartão de crédito ela tinha, então a Joyce tirou R$ 10 mil de um banco, R$ 10 mil do outro, R$ 15 mil de uma loja, juntou o dinheiro que ainda não dava, para dar entrada no carro, e foi quando ele sugeriu de ela resgatar o FGTS”, falou.
A irmã relata ainda que as torturas psicológicas foram se tornando frequentes. No entanto, ninguém da família sabia ao certo o que se passava entre os dois, já que ela dizia que Thiago era um homem rico.
“Ela estava com uma estafa [fadiga] física e mental porque ela não conseguia mais trabalhar. Ele a perseguia 24 horas, tinha vezes que ele tinha brigas surreais com ela que ela se levantava da cama, ia para o quarto da minha mãe e dizia assim: ‘mãe, eu não aguento mais, eu quero morrer’. Aí abraçava e ficava deitada com a mãe”, disse.
Joyce Sousa de Araújo tinha 41 anos, era gerente e morreu após uma parada cardíaca, sete dias após uma tentativa de suicídio em Rio Branco
Arquivo pessoal
Os dois encontros presenciais
Thiago veio ao Acre duas vezes: em maio, quando conheceu Joyce presencialmente; e no final de setembro para início de outubro, quando ocorreu os supostos episódios de importunação sexual contra a filha de Joyce, no dia 4, e uso de cocaína dentro da casa dela.
Para tentar contornar a situação e evitar maiores confusões, ela o levou para um hotel para que ele ficasse longe da família.
“Foi uma situação bem caótica, ela querendo terminar [a relação], mas ela continuava falando com ele. Era o que a gente não entendia o por quê que ela ainda mantinha contato. A Duda ficava chateada porque ela estava vivendo essa relação tóxica, tinha importunado sexualmente [a filha] e mesmo assim continuava com ele”, falou.
Entenda o que é considerado violência patrimonial
Tentativa de suicídio
Diante da situação, dos episódios anteriores e das brigas constantes, no dia 7 de novembro Joyce ingeriu comprimidos controlados e segundo a irmã, o suspeito viu e incitou a tentativa de suicídio pois eles estavam em chamada de vídeo quando o fato ocorreu. Ela foi levada à Unidade de Pronto Atendimento (UPA) e liberada no dia seguinte, após exames. A filha acompanhou o processo de recuperação da mãe, já que ela ainda estava sob efeito dos medicamentos que havia ingerido.
Mesmo ela ainda mantendo contato com Thiago, Joyce estava decidida a pedir uma medida protetiva contra ele e tentar reaver o carro que estava sob posse dele. Ela foi até a UPA pegar o prontuário médico na noite do dia 10 de novembro. Na madrugada do dia 11, por volta das 2h, ela se dirigiu até a Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam) para fazer o pedido da medida e poder dar entrada no pedido de devolução do veículo.
“Já na segunda-feira de manhã [11 de novembro], ela, minha tia e o advogado fizeram uma reunião e ela estava bem. Ela acordou, tomou banho, arrumou o cabelo, fez uma maquiagem [...] ela pegou o prontuário para anexar com o advogado e estava feliz porque ela iria pegar o carro justamente porque estava difícil de ele devolver. Ele queria continuar com o carro, mas estava com duas parcelas em aberto e o nome dela sujo”, falou a filha.
Depois disso, ele seguiu entrando em contato com Joyce. A filha descreve que ele perturbava a mãe com ligações, chamadas de vídeo, mensagens de baixo calão e até ameaças. Todos estes registros estão nos celulares que devem passar por perícia. Logo após, Joyce mandou mensagens de despedida para os filhos, pegou a chave de um dos quartos do estabelecimento em que ela trabalhava, entrou no banheiro e ingeriu mais comprimidos de uso controlado.
A família não sabe como ela conseguiu receita para adquirir os remédios, mas desconfia que o suspeito tenha fornecido para que ela pudesse adquirir. Os funcionários estranharam a demora dela, entraram no quarto e viram ela caída no banheiro. Prontamente, levaram ao Pronto-Socorro de Rio Branco, onde há um núcleo especializado de prevenção ao suicídio.
Ela foi estabilizada e encaminhada a uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Into-AC. A filha disse que, enquanto aguardava a situação da mãe, ele continuou mandando ameaças para o celular da Joyce e também para ela.
Morte e autópsia
Uma semana após a tentativa de suicídio de Joyce, no dia 11, ela não resistiu às complicações e morreu em decorrência de insuficiência pulmonar, edema cerebral, sepse [infecção generalizada] e parada cardíaca na tarde do dia 17 de novembro.
A família cuidou dos trâmites fúnebres, mas não foi instruída que era preciso que o corpo passasse por autópsia. Este procedimento é feito no Instituto Médico Legal (IML) em ocorrências que envolvem óbitos não-naturais causado por lesões, como foi o caso da Joyce.
Na segunda-feira (18), dia em que o velório iniciou em razão da espera pelo outro filho dela, o IML chegou ao local, por volta das 16h, e disse que precisaria levar o corpo de Joyce para fazer a autópsia. O velório foi retomado às 20h30.
“Tiraram ela de dentro do caixão, numa sala ao lado, e ela foi colocada dentro de um saco [...] a gente passou por esse constrangimento”, falou a irmã.
O g1 entrou em contato com a Secretaria de Estado de Saúde (Sesacre) e a Fundação Hospital Estadual do Acre (Fundhacre), que informaram, por meio de nota, que a equipe médica 'não poupou esforços' desde o ingresso da paciente, no dia 12 de novembro.
"A paciente recebeu toda a atenção multiprofissional necessária. No entanto, apesar dos esforços, a paciente veio a óbito em decorrência de um quadro de infecção pulmonar e insuficiência respiratória. A Sesacre e a Fundhacre, seguem colaborando com as autoridades policiais responsáveis pela investigação do caso", diz nota assinada pela presidente da Fundhacre, Soron Angélica Steiner, e pelo secretário de Saúde, Pedro Pascoal.
Medida protetiva
Segundo a família, a medida protetiva foi pedida no dia 11 de novembro e o homem foi notificado apenas 40 horas depois, quando Joyce já havia tentado suicídio e já estava internada. Na última terça-feira (26), nove dias após a morte de Joyce, a família recebeu uma oficial de justiça na casa onde moram procurando pela vítima. A irmã disse que perguntou do que se tratava, mas a oficial disse que era assunto particular.
“Eu disse: ‘a minha irmã morreu, ela está enterrada, você pode me dizer do que se trata?’ e ela disse: ‘medida protetiva’. Eu disse: ‘agora?’ [...] ela não deixou eu ver do que se tratava”.
Anteriormente, a filha e a irmã de Joyce já haviam tentado pedir celeridade nas ações em decorrência da medida protetiva, levando as mensagens e demais documentos que pudessem ajudar a comprovar os abusos psicológicos. Mas segundo elas, foi dito que apenas a vítima poderia fazer a denúncia.
“Eu disse: 'eu preciso [fazer o boletim de ocorrência], você não quer fazer um boletim?' E ela [atendente plantonista] falava: ‘eu não posso, a gente não pode fazer, a única pessoa que pode fazer isso é ela’, e eu dizia ‘mas a minha mãe está em coma, ela está entubada’”, relembrou a filha.
Ao g1, a Polícia Civil informou que o caso segue sob investigação da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam), em Rio Branco. A titular, delegada Elenice Frez, instaurou o inquérito policial e as diligencias estão sendo realizadas. No entanto, não foram fornecidos mais detalhes pois, segundo o órgão, querem evitar atrapalhar as investigações.
Busca por justiça
Em busca por respostas, a família decidiu expor o caso nas redes sociais. Depois da pressão popular, o caso agora está sendo acompanhado pelo Ministério Público do Acre (MP-AC).
Segundo o órgão, a família foi recebida no dia 25 de novembro para receber apoio, por meio do Centro de Atendimento à Vítima (CAV), e discutir os desdobramentos das investigações.
Na ocasião, os promotores de Justiça Thalles Ferreira Costa e Carlos Augusto da Costa Pescador foram designados a acompanhar o "Caso Joyce" por meio da Portaria nº 1.449, de 26 de novembro, assinada pela procuradora-geral em exercício, Rita de Cássia Nogueira Lima.
“A filha e a irmã da vítima foram recebidas pela procuradora de Justiça Patrícia Rêgo, coordenadora-geral do Centro de Atendimento à Vítima (CAV) e do Observatório de Gênero, acompanhada por uma equipe psicossocial. A Procuradoria-Geral de Justiça designou dois promotores de Justiça para acompanhar as investigações relacionadas à morte de Joyce”, falou o órgão.
Para a irmã, o caso precisa ser resolvido para que a justiça seja feita.
“Isso foi feminicídio. A minha irmã não se matou. Ela tentou se matar e não conseguiu porque ela ainda ficou viva durante sete dias. Mas isso foi feminicídio porque ela foi induzida a fazer o que ela fez. Ela estava com o celular na mão, estava conversando com ele e ele foi destilando o ódio dele, a crueldade dele, e ela falou ‘você vai deixar dois filhos sem uma mãe e uma mãe sem uma filha’. Então ela foi instigada por ele, porque ela não aguentava mais. Ele assassinou a mente da minha irmã e ela só agrediu o corpo. Qual foi a arma que ele utilizou? A palavra”, disse.
Família de Joyce Sousa faz campanha em busca de justiça em Rio Branco
Renato Menezes/g1
A versão de Thiago
O g1 procurou Thiago Augusto Borges pelas redes sociais. Por meio de mensagens na última sexta-feira (29), ele negou todas as acusações, disse que está sendo caluniado e difamado e que tomará providências.
"Ela [Joyce] ajudou a minha mãe com câncer que faleceu no dia 25/08/2024. Espero de fato que isso seja elucidado. Sobre ajudas e afins não foi pedido nada, apenas ela fazia. Estamos consternados com o óbito e preocupados com esse assunto", falou.
Thiago também disse que está afastado do trabalho desde 2022 com CID psiquiátrico. Sobre o carro, falou que tudo está documentado, que o veículo estava sendo pago por ele antes do ocorrido e que iria fazer a entrega voluntária do automóvel à concessionária onde foi adquirida.
Após as mensagens, o g1 questionou sobre as acusações de importunação sexual, uso de drogas, compra de celular e indução ao suicídio. No entanto, até a última atualização desta reportagem, ele não respondeu aos questionamentos e desativou a rede social.
VÍDEOS: g1